Oliver desconhecia a maldade

    Há pessoas que pensam ser - aquele que trabalha com letras, palavras, frases... - um construtor de textos. Pode ser. Mas eu prefiro colocar estes profissionais na categoria dos incentivadores de sentimentos. Sabe por que? É simples... Existem, evidentemente, os que constroem textos com propósito exclusivamente comercial. Uma boa parcela dos que escrevem, porém, é movida por inspiração interior. Se entrega, inteiramente, ao que é ditado pelo coração. As palavras, boas ou ruins, partem de dentro do peito e vão se alojar no papel (apesar dos sofisticados recursos eletrônicos, hoje disponíveis, ainda gosto de pensar nos escritores se expressando em papel).
    Sou jornalista. Às vezes me obrigo a fazer abordagens nada serenas. Notícias, artigos, crônicas... Nem sempre é o bom que se apresenta às tarefas do nosso dia-a-dia. De vez em quando recebemos a missão de escrever sobre coisas que nos torturam. Coisas que abominamos... Coisas que repudiamos... Se pudéssemos faríamos com que desaparecessem do universo e fossem, inclusive, esquecidas pela história. No entanto: somos profissionais da notícia e a recomendação é de que “o leitor seja sempre contemplado com a mais pura realidade dos fatos".

    OS OLHOS REVELAM
    Eu sou um jornalista sentimental... Um sentimental irremediável. Quem trabalha comigo sabe... Volta e meia preciso fechar a porta da minha sala para que não percebam as lágrimas que correm pelo meu rosto. Verdade... Posso até me lembrar, neste momento, de alguns escritos que montei com o coração partido... Emocionado... Literalmente chorando.
    Imagine como me expressei depois da morte de Ayrton Senna... Frente à constatação de que meu filho pequeno era alvo de bullying no colégio... Quando fui obrigado a deixar de lado minha velha Olivetti para ingressar no mundo dos computadores... Nas ocasiões em que amigos perderam filhos muito prematuramente.... No dia do falecimento da minha mãe... Morte de crianças/adolescentes/jovens é algo que me deixa inconformado e, para fazer a notícia, obrigo-me a fechar a porta da sala.
    Quem tem a oportunidade de folhear os inúmeros volumes da coleção do Correio Regional se torna ciente do que estou aqui falando. No início da década de oitenta faleceu o prefeito Arlindo Hermes/Mão (de Não-Me-Toque) - jovem político com quem mantinha uma verdadeira amizade. Uma amizade nascida e nutrida bem antes de ele ingressar na política. Imagine você em que estado de espírito eu fiz essa notícia.

    EPISÓDIO RECENTE
    Fique certo de que agora estou fechando a porta da minha sala. Vou escrever sobre um cão muito amado, da raça buldogue, chamado Oliver, que era cuidado com especial zelo pelo casal Roger Pacheco/Dalvana Brandt (Carazinho/RS). Dos olhos desse animal, feio fisicamente mas lindo de alma, partiam sempre generosos fachos de bondade. Toda pessoa que algum tempo dedicava para observar Oliver era contagiada pelo amor fluente de seu olhar e, também, das suas atitudes. Era um cão que, sei lá por que, só sabia transmitir carinho.
    Pois é... Na noite de 9 para 10 de junho o amoroso Oliver, solto no pátio da casa onde moram Roger Pacheco e Dalvana Brandt, sentiu que alguém se aproximava. Sempre louco para fazer amigos aproximou-se da grade que cerca a moradia e foi presenteado, pelo visitante até agora desconhecido, com um pedaço de carne. Tem uma ideia da gratidão que o amável cão demonstrou? Tem? Olhou para quem o presenteava com um amor indescritível. Deve ter pensado: “Poxa. Nestas alturas da madrugada alguém se preocupa com a minha alimentação. Sou um animal de sorte”.
    Deve ter pensado assim o amável Oliver. Contudo: ao amanhecer nenhum tratamento veterinário pôde salvá-lo. O presenteador da madrugada, na verdade, o havia envenenado. Não teve clemência. Mesmo bem recebido - e contemplado com aquele olhar de bondade sem fim - não teve clemência. Largou no pátio o veneno que, na manhã seguinte, determinaria o final da caminhada e dos gestos de amizade do, agora, inesquecível Oliver. Perdoem-me colegas de Correio Regional. Vou demorar um pouco para reabrir a minha porta. (Autor: Francisco de Campos - Todos os direitos reservados/Lei dos Direitos Autorais Nº 9610/98)

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