Dona Nenê: Sangue bom
Tracei, já na infância, um projeto de vida: fazer amigos, em todas as
circunstâncias, mesmo que isso me acarretasse prejuízos por outros não
encarados. Venho cumprindo fielmente a minha parte. Tudo o que faço é
para cativar amigos. Sei, é claro, que nessa busca constante do afeto
espalho ingredientes que me atraem sentimentos bem adversos. Sei disso.
Mas estou convicto de que aquele que me escolhe para inimigo jamais
poderia figurar entre os que de mim recebem verdadeiro e incondicional
carinho.
As amizades às vezes não passam de meras formalidades
nutridas por algum tipo de interesse. Eu, que atuo no jornalismo desde o
nascimento, sei o quanto fui usado na crença de cultivar amigos. “Oi...
Tudo bem??? Aparece lá... Foi bom vê-lo...” Um minuto depois nenhum dos
lados lembra mais desse formal diálogo. Principalmente nos dias de hoje
- frente à prosperidade das redes sociais - as expressões humanas ficam
quase unicamente na formalidade.
Perdeu-se o costume do
cumprimento da palavra. Os contratos, cheios de cláusulas e assinaturas
reconhecidas em cartório, não são segurança de que as partes vão
cumprir. Os tapinhas nas costas. Os votos de felicidade. Os parabéns
pelo aniversário. Tudo, atualmente, parece muito vago. Bem diferente de
um tempo em que as relações humanas eram merecedoras de verdadeiro zelo.
HEROÍNA
Os amigos formais que cultivei ao longo da vida nada ou muito pouco
sabem de mim... Alguns acham que surgi no descascar de um ovo. Outros
acreditam que sou o resultado de uma larva que por milhares de anos
ficou escondida embaixo de uma pedra. Há quem pense que desembarquei de
um disco voador. Não se descarta sequer a crença de que cheguei na
enxurrada depois de uma tempestade de raios e trovões.
Pois é...
Aos amigos formais e principalmente aos verdadeiros - aqueles que
desfrutam do melhor existente no meu coração - preciso dizer que nasci
como qualquer outro ser humano. Sim... Tenho pai. Tinha mãe até a semana
passada. Maximília José Pereira de Campos (conhecida como Dona Nenê)
faleceu, dia 11 de julho, aos setenta e oito anos de idade. Deus e as
pessoas que me são próximas sabem que o mundo perdeu, nesse momento, um
ser humano de extraordinária grandeza.
O jornalista indecifrável que
uma multidão de cretinos prefere hostilizar é filho de Dona Nenê e Seu
Lagoa (Jovaldino Padilha de Campos/atualmente com oitenta e quatro anos
de idade e cheio de saúde). Os posicionamentos explícitos - sem meias
palavras - são fruto de ensinamentos que recebeu da Dona Nenê. Ela, que
dirigiu um bar/armazém em Carazinho até poucos anos atrás, sempre
mostrou espetacular valentia. Jamais permitia qualquer tipo de injustiça
na sua frente. Gente do mal era por ela espantada das “redondezas”.
Nas filas do INSS. Nas filas de banco. Nos veículos de transporte
coletivo. Em toda parte Dona Nenê exigia tratamento digno para si e para
os demais. Com frequência as pessoas se indagavam... “Por que arranjar,
desta forma, tantos desafetos?” Sim. As pessoas, com frequência, assim
perguntavam. Surgia, porém, sempre alguém para dar a necessária
resposta. “Dona Nenê não tem medo de fazer inimigos. O que importa para
ela é saber que está fazendo verdadeiros amigos”.
Para Dona Nenê só
os verdadeiros amigos merecem nossas preocupações. No coração dela
sempre tinha espaço para acolher, com especial afeto, todo novo amigo
que chegasse. Tinha, contudo, que ser verdadeiro. A mera formalidade não
bastava. Ela sabia identificar um verdadeiro amigo no primeiro olhar.
Vi na novela dias atrás... Bento chegou a um restaurante e acabou com o
pedido de casamento de Wilson. Logo depois alguém lhe disse: “Por que
você faltou com o respeito a Wilson?” Bento, de pronto, respondeu: “E o
respeito ao Pedrinho (assustado por Wilson em episódio anterior)?”
Bento, pelo que se vê, também não tem medo de fazer inimigos. Nem por
isso deixa de ser pessoa de muitos amigos. Amigos verdadeiros. Concluo
com isso: Dona Nenê era sangue bom. Muito bom. Que Deus a tenha no
merecido espaço. (17 de julho/2013)
(Autor: Francisco de Campos - Todos os direitos reservados/Lei dos Direitos Autorais Nº 9610/98)
(Autor: Francisco de Campos - Todos os direitos reservados/Lei dos Direitos Autorais Nº 9610/98)
Comentários
Postar um comentário