Aceno da esperança

    Capitão Robert Georgio, natural da Itália, 38 anos de idade, comandava um navio cargueiro que, uma vez por mês, fazia a rota Espanha - Turquia. Numa dessas viagens obrigou-se a atracar, em pequena ilha do Mar Mediterrâneo, por causa de um defeito constatado no sistema de engrenagens do navio. Como ficaria ali por várias horas decidiu fazer uma inspeção no limitado espaço de terra cercado por uma imensidão de água. Era um sujeito curioso. Gostava de ir em busca do novo. E, na pequena ilha, se deparou com algo que aguçou a sua imaginação. 
    Quase encostada no pé de um coqueiro havia uma pedra com algo escrito. Robert Georgio se aproximou e leu: "Caro amigo... Obrigado por tudo!" Olhando com mais atenção, ao redor, notou que também faziam parte do cenário ossos de uma pessoa que ali morrera. Essa morte, no entendimento do jovem capitão, não era recente. Tinha ocorrido no mínimo uns cinco anos atrás. A ossada era o único indício de que alguém com vida chegara até à pequena ilha. As letras na pedra tinha sido gravadas com algum instrumento pontiagudo. 
    O navio cargueiro foi consertado em poucas horas e seguiu o seu destino. Na mente de Robert Georgio fervilhava uma persistente imaginação. Ele gostaria de saber tudo sobre aquela pessoa que vivera solitária no pequeno espaço de terra perdido no Mar Mediterrâneo. Por que aquelas palavras de gratidão? O que teria despertado tanta estima por um pé de coqueiro? Foi uma instigação tão expressiva que o comandante do navio cargueiro decidiu traçar um imaginário sobre o isolado episódio ocorrido naquele fim de mundo.
    MOTIVADO NA SOLIDÃO
    Capitão Ferdinand Gonzalez - começou Robert Georgio a tricotar sua história - comandava um navio cargueiro que, uma vez por mês, fazia a rota Espanha - Turquia. Em uma fatídica viagem, depois de muitos anos nesse ofício, ele não conseguiu evitar o naufrágio da sua embarcação. Toda a tripulação sucumbiu. Só ele conseguiu se salvar porque, mesmo sem prática em natação, debateu-se nas águas até chegar a uma minúscula ilha deserta existente nas proximidades. Era uma ilha com capacidade de abrigar uma só pessoa. O espaço era limitadíssimo. 
    Não. A ilha onde Ferdinand Gonzalez se socorreu não era a mesma em que Robert Georgio atracou seu navio. Uma ficava léguas de distância da outra. A pessoa, alojada em uma, pouco podia ver da outra. Mas Ferdinand Gonzalez, mesmo profundamente abalado pelo naufrágio de seu cargueiro e a consequente morte de inúmeros amigos, não perdia a vontade de viver. Nem a esperança de que, a qualquer hora, alguém passasse por ali para levá-lo de volta à Espanha. No intuito de evitar um cruel tédio passou a buscar no horizonte motivações para o dia a dia. 
    Foi assim que o marinheiro acabou concentrando suas atenções em outra ilha deserta. Não podia, em razão da longa distância, sequer vislumbrar com um mínimo de nitidez o que existia naquele outro pequeno espaço de terra/areia. Porém: parecia que alguém, daquela pequena ilha que dali enxergava, lhe acenava amistosamente. Dia, noite... Noite, dia... Semanas... Meses... Anos... O tempo passava e Ferdinand Gonzalez se alentava com o aceno que vinha talvez de alguém tão solitário quanto ele. 
    O comandante do navio naufragado até se sentia feliz porque alguém, de forma incondicional, lhe remetia gestos de consideração e amizade. E assim a vida foi passando. Ferdinand Gonzalez tinha um grande desejo... Não queria morrer e nem envelhecer demais antes de ir ao encontro daquele desprendido amigo. Com esse firme propósito foi aprendendo a nadar, um pouco cada dia, em torno da ilha que habitava. Dedicou-se a esse aprendizado, por vários anos, até que criou coragem de arriscar ir a nado ao encontro do amigo que há muito lhe acenava. Há muito lhe dava motivo para viver. Há muito fazia com que preservasse a esperança de retornar a sua Espanha. 
     AMIGO IMÓVEL
      Foi bem fácil nadar até o amigo que acenava. Bem mais fácil do que Ferdinand Gonzalez podia imaginar. A aventura que por longos anos planejou foi finalmente efetivada. Nadando o marinheiro chegou à ilha que tanto contemplara. Já em terra/areia firme constatou que os acenos que incessantemente o animavam não eram de um homem/mulher como pensava. Eram somente os galhos de um coqueiro balançados pelo vento. "Benditos galhos... Bendito vento... Não fossem vocês eu teria morrido de solidão e desgosto em poucos dias. Vocês me fizeram viver trinta anos - embora sozinho - na mais plena esperança."
    Ferdinand Gonzalez concretizou o esperado encontro quando já estava com 68 anos. Não se decepcionou. Pelo contrário. Fez do coqueiro a melhor companhia para mais vinte anos de vida serena e feliz. Todas as manhãs, religiosamente, ele abraçava o tronco do coqueiro com um amor indescritível. Nem ele sabia explicar tanta ternura. Só que o coqueiro exercia sobre ele um irresistível fascínio. Os acenos que lhe pareciam humanos eram impagáveis. O imponente pé de coqueiro o acalentara e, sem dúvida alguma, merecia o mais elevado nível de gratidão. 
    MENSAGEM DE DESPEDIDA
    Aos 88 anos Ferdinand Gonzalez sentiu que estava prestes a morrer. O coqueiro amigo, pelo contrário, ficaria ali talvez para a eternidade. Então nada melhor do que deixar ao seu pé uma mensagem de gratidão. Foi assim que durante algumas semanas o marinheiro se dedicou a escrever, com uma ponta de flecha encontrada na ilha, "Caro amigo... Obrigado por tudo!".
     Capitão Ferdinand Gonzalez, em momento algum, caiu em depressão. Treinado para ser forte em qualquer circunstância enfrentou a desventura com a mais plena naturalidade. Entretanto: a sua vital motivação foi o aceno de um galho de coqueiro que se parecia demais com a mão humana. (Autor: Francisco de Campos - Todos os direitos reservados/Lei dos Direitos Autorais Nº 9610/98)

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