O canto da cela 36

   Confesso que eu tento... Mas não consigo entender o sistema prisional existente no Brasil. Vou me ater a um raciocínio... As cadeias estão cheias de criminosos. Alguns eventuais - aqueles que, por alguma razão de momento, caíram em ilícito. Outros contumazes - aqueles que escolheram o crime como profissão e seguem rigorosamente esse rumo.
O equívoco está na colocação dos dois tipos de criminosos em um mesmo ambiente. Defendo a ideia de que o criminoso eventual tem chance de recuperação se cumprir sua pena afastado dos bandidos de escola. Sim... Cumprirá os seus meses ou anos de cadeia e, depois, voltará a se integrar à sociedade.
O criminoso contumaz carece de tratamento bem mais rigoroso. Precisa ficar afastado de quem tem chance de recuperação. Acredito, inclusive, que deveria ser submetido a serviço pesado, em indústrias ou colônias agrícolas estatais, para tirar da sua mente, pelo menos algumas horas por dia, crimes já cometidos e, até, projetos de ilícitos futuros.
O criminoso eventual, na companhia do contumaz, acaba assimilando, mesmo que não queira, uma doutrina de maldade. E não raramente é submetido, lá mesmo em sua cela, aos mais cruéis tratamentos. Em resumo: o sistema prisional brasileiro bem poderia ser uma fonte de enriquecimento da nação. O prisioneiro deve produzir riqueza. A ociosidade hoje permitida leva toda espécie de criminoso ao aperfeiçoamento na arte do mal.  
POLÍTICOS
    Da mesma forma discordo da hospedagem de políticos corruptos atrás das grades. Para não me espichar em explicações exponho o entendimento de que político corrupto deve restituir aos cofres públicos tudo o que roubou e, em total liberdade, trabalhar sob vigilância constante até provar que nenhum ilícito mais irá cometer. Hoje se faz manchete de políticos que, por desvios de milhões, são conduzidos à prisão. Só que em dois ou três dias estes políticos estão novamente em liberdade e ocupando os cargos que lhes facilitaram a roubalheira cometida. 
Reitero: político corrupto é um tipo de personalidade repudiante. Não precisa ser preso. A pena para ele deve ser restituição dos valores roubados (devidamente corrigidos) e o impedimento de exercer, por toda vida, qualquer tipo de cargo público. E estas determinações, no âmbito do judiciário, devem se verificar em tempo imediato. O que se percebe, no Brasil em que estamos vivendo, é um cenário de muitas manchetes e pouca punição. Os traficantes continuam exercendo comando em boa parte do poder político em determinados estados. E isto é apenas uma minúscula parte do problema. 
RELAÇÃO COM DETENTOS
Antes dos meus dez anos de idade eu localizei, como meio de subsistência e ajuda à minha família, a venda de picolé. Uma pequena lanchonete da cidade onde nasci fazia picolés de sabor e aroma artificiais para venda a preços módicos. Movido pelo senso de responsabilidade financeira, imposto pela minha mãe, eu aderi à equipe de vendedores dessa sorveteria e parti em busca do melhor resultado. 
Sem muita dificuldade descobri que o presídio de Vacaria/RS, minha cidade natal, era uma concentração de possíveis clientes. Possíveis compradores dos meus picolés. O que fiz? Enchi de picolés, de diferentes sabores, uma caixa de isopor e fui ao presídio movido pelas minhas esperanças de venda. Foi uma ideia divina. Cheguei lá, em uma quarta-feira - dia de visitas de familiares e amigos - e comprovei a positividade das minhas previsões. Em menos de trinta minutos vendi, entre presos e visitantes, mais de cem picolés. Voltei à lanchonete e recarreguei minha caixa. De volta ao presídio mais um sucesso. Caixa vazia e bastante moeda no bolso. 
A CRIAÇÃO DE CAMINHOS
Eu vendi picolé e engraxei sapato por mais de cinco anos. Você pode até ficar surpreso... Mas o único lugar onde nunca me lograram foi a prisão. As pessoas, lá detidas, ficavam felizes por estar ali alguém que lhes pudesse abrir a chance de dar um picolé a um visitante estimado. Fui assaltado nas ruas. Vendi fiado e acabei não recebendo. Confiei em pessoas de classes sociais diversas e acabei me frustrando. Mas ouso dizer... No presídio, onde firmei as minhas primeiras convicções como vendedor e comerciante, ninguém me frustrou. No presídio onde vendi picolé sempre fui pago adequadamente e até recebi alguns valores a mais como fruto de reconhecimento.
Lembro-me de que, lá pelos meus nove anos de idade, um presidiário de Vacaria/RS pedia que eu levasse o melhor picolé à cela 36. Obedientemente eu sempre ia à cela 36 e colocava um picolé, do sabor sugerido, pela fenda da porta que permitia a comunicação. Nunca vi a imagem da pessoa que estava lá dentro. O que guardei dessa passagem da minha vida é que essa pessoa tinha voz feminina e cantava de forma impressionante... De uma harmonia impressionante. Eu vendi centenas de picolés para o admirador da habitante da cela 36. Eu acho que muitas das minhas positivas sensações provêm desse curioso momento de convivência. 
Nunca vi o rosto nem o corpo da ocupante da cela 36. Eu criei intimidade, mais do que o normal, com o patrocinador do picolé endereçado à cela 36. Era um ser humano de um coração generoso e cheio de amor. Eu tinha apenas nove anos de idade. Acho que ele estava naquela prisão por algum desses erros que a gente comente por aí sem querer. Ninguém que merece prisão teria tanto carinho pela habitante da cela 36. (Autor Francisco de Campos - Todos os direitos reservados/Lei dos Direitos Autorais N° 9610/98)

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