O menino me prometeu que ia se regenerar...

 


    Lá pelos anos setenta, no início da circulação do Correio Regional (jornal que já está fazendo o seu 44º aniversário), fui chamado a uma delegacia de polícia para fotografar e "entrevistar" um ladrão. Informaram-me, via telefone, que se tratava de elemento perigoso. Nada disso vi ao chegar à delegacia para atender ao chamado. Estava lá, algemado, um jovem de no máximo dezesseis anos. Ele tinha cometido o gravíssimo crime de furtar um par de meias da cerca de uma senhora da alta sociedade. 
    Na conversa que eu e ele tivemos fiquei sabendo da sua história. Tinha uma família muito desorganizada. Uma família que não soube indicar-lhe o caminho mais correto. Então ele viciou-se em pequenos furtos. Mas uma coisa, com muita certeza transmitida no olhar, o "perigoso ladrão" me deu: "depois desta eu vou me regenerar. Prometo-lhe que não mais voltarei a roubar". 
    Fiquei profundamente sensibilizado com a declaração do garoto. Até sorri para ele e tive vontade de lhe dar um abraço. Afinal: era uma criança arrependida mas sem meios de mudar de rumo. Quem o ajudaria a se regenerar? Quem? O menino era desprovido de tudo. Faltava-lhe orientação e, sobretudo, uma luz que lhe indicasse um meio de subsistência. O menino não tinha rumo. 
    Hoje, quando me lembro dele (depois daquilo nunca mais eu o vi), fico a meditar sobre quem sempre teve tudo e não consegue se afastar do crime. Gente que não faz aquele roubinho de meia da cerca dos outros. Hoje o perigoso ladrão - talvez até assassino - é cortejado pelo poder e praticamente dono da plena liberdade para fazer e acontecer neste mundo. O nosso amado torrão brasileiro está atravessando uma fase de amparo aos "perigosos". 
    Aquele menino, da década de setenta, deveria se mostrar no corpo mais letejante do nosso país para, quem sabe, falar sobre o que ele considerava desonestidade. Talvez ele pudesse ensinar grandes personalidades do nosso hoje a ter uma consciência pelo menos do nível que ele tinha (e talvez ainda tenha). Você sabe que ele me prometeu se regenerar. Se ninguém o matou ele se regenerou. (Francisco de Campos - Todos os direitos reservados/Lei dos Direitos Autorais n° 9610/98)

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