Mais uma noite de escola

    Fui para a cama, nesta sexta-feira (14/10), com um sentimento de dever não cumprido. Queria ter elaborado uma mensagem à altura dos nossos professores, ao longo da semana, mas ainda não tinha conseguido. Isso me inquietava...
    Mesmo, assim bastante instigado, caí no sono facilmente. Até mais fácil do que de costume. Tive uma noite de sono pesado. Sono tranquilo. Só que, nas oito horas e meia dormidas, experimentei algo ainda nem sequer imaginado. Em um sonho agradável fui brindado com um retorno à escola. 
    Nesse sonho estava eu diante de um dos professores que mais marcaram a minha trajetória estudantil. Ele dizia, calmamente, que tinha deixado de me dar algumas orientações nos antigos tempos de aula. Estava ali, então, para sanar essa falha... 
    "Perdoa-me, Francisco, por não tê-lo alertado para situações que, mesmo se mantendo na mais plena correção, você iria enfrentar. Aliás... Esse alerta não ocorreu porque, na época em que fui seu professor, elas eram inimagináveis."
    Inconformismo
    Foi uma noite de sonho longo. Meu professor sentia um dever enorme de me repassar conhecimentos que obteve depois que deixei a escola. Sabe como é um professor de verdade... Não sossega enquanto vê o seu aluno carente de algum pedaço de conhecimento que esteja ao seu alcance. 
    "Perdoa-me, Francisco, por não lhe ter dito que, em um breve futuro, você sentiria uma angustiante solidão mesmo quando cercado por milhares de pessoas. Que a palavra de honra só existiria se gravada, assinada, carimbada e registrada em montanhas de papéis. Isto é: a palavra que uma vez fora de honra seria fruto de sentenças judiciais. De fio de bigode nem se fala."
    "Perdoa-me, Francisco, por em minhas aulas nunca ter lhe contado que suas economias, no futuro, renderiam menos de 6% ao ano nas poupanças bancárias. Perdoa-me, de forma especial, por não ter lhe falado que, nesse mesmo tempo, se você usasse dinheiro de banco pagaria mais de 15% ao mês. Perdoa-me... Eu não sabia, naquela época, que o seu suor valesse tão pouco e que os papéis de banco fossem mais preciosos do que o próprio ouro."
     Balas perdidas
    No meu sonho o professor se mostrava arrependido mas sempre paciente. Como precisa ser um bom professor. Sereno mas firme e incisivo na transmissão de ensinamentos... 
    "Perdoa-me, Francisco, por não lhe ter alertado que o imposto que pagasse no futuro engordaria as finanças dos beneficiários da corrupção ao invés de garantir suporte para a assistência da população. Eu não lhe falei que a educação sofreria queda brutal... Que o sistema de saúde promoveria uma mendicância coletiva... Que a falta de maior senso moral - com a consequente escalada da violência - obrigaria as pessoas a se enjaularem em suas casas... Que, em cidades de todo porte, vidas inocentes seriam ceifadas por balas perdidas e, também, por balas irracionalmente endereçadas."
    "Perdoa-me, Francisco, por ter deixado de lhe ensinar uma imensidão de coisas. Acontece que eu só me cientifiquei dessa imensidão de coisas depois que você deixou a escola. Eu acho que aluno e professor deveriam ter convivência a vida toda... De maneira constante. Um aprendendo com o outro. Seria um intercâmbio salutar."
    Puro idealismo
    Nesse sonho, de sexta para sábado, vi que o meu professor pouco havia prosperado economicamente. Tive a impressão de que as suas roupas eram as mesmas que usava nos meus antigos tempos de escola. Cheguei a fazer uma breve alusão sobre isso... "Meu caro professor... Me fale um pouco sobre sua vida. Ouço suas palavras de arrependimento com admiração. Não concordo, porém, que tenha falhado como meu orientador. Acho que nesse sacerdócio que tem exercido a compensação, no que diz respeito a finanças, deixa de lhe ser a ideal."
    O professor deu um discreto sorriso diante destas minhas colocações e, sem perder a serenidade, se manteve em linha didática... "Pois é, caro Francisco, os frutos do meu trabalho estão espalhados pelo mundo. Estão em escritórios de diferentes áreas. Estão em empresas de diversos ramos. Os frutos do meu trabalho estão tocando as cidades. Estão produzindo. Você me fala de compensação financeira? Por quê? O meu prêmio maior é um universo de ex-alunos fazendo sucesso neste planeta." 
    Perguntei: "O senhor não imagina que poderia ter sido melhor remunerado?" Com mais um sorriso discreto ele me deu a resposta:"Ainda não parei para pensar sobre isso. Mas, quem sabe, em uma outra encarnação eu possa nascer com o dom de jogar futebol." (Autor: Francisco de Campos - Todos os direitos reservados/Lei dos Direitos Autorais Nº 9610/98)

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