Eu quero conversar

    Se você ainda não sabe eu informo: atuo no jornalismo. Isto é: no ramo da notícia. Adoro o que faço. Só que, ultimamente, tenho um motivo para queixa... As entrevistas que ocupavam quinze minutos do meu tempo hoje só se tornam possíveis com mais de uma hora. Motivo: o entrevistado fica de olhos e dedos grudados no smartphone.
    Quando tenho certa afinidade com a fonte arrisco dizer: "desliga essa coisa ou eu elimino a sua entrevista da minha pauta". Não preciso contar que essa minha aparente imposição é recebida com muita antipatia. A minha fonte, ao invés de pensar que desejo racionalizar o tempo, conclui que sou um retrógrado que não sei lidar com o celestial smartphone. 
    "Você precisa se modernizar. O WhatsApp me permite, hoje, contato simultâneo com centenas de pessoas (ele chama essas pessoas de "contatos"). Pois é... Em meio a uma imensidão de compromissos ainda sou obrigado a isso ouvir. E pior: o sujeito me prova que tem razão... Que a maioria maciça da população adota hábito semelhante. Que eu sou realmente um retrógrado. Um cara que fica sete dias por semana, trinta dias por mês, doze meses por ano... É... Um cara que fica o tempo todo redigindo textos de qualidade para, em jornal impresso, remeter aos assinantes.
     Estou aqui, você sabe, dando murro em ponta de faca. A tecnologia colocou o raciocínio, o pensar, o ler e o pesquisar em plano secundário. A qualidade foi derrotada pela velocidade. Vencedor é hoje - mesmo na área da informação - quem chega primeiro. Poucos estão preocupados se o que se transmite tem real fundamento. Pior: se há uma fotografia palavras são desnecessárias. A imagem, para os smartphonistas, diz tudo. Daí conclua, caro leitor, como eu fico frente ao costume de escrever, com português perfeito, páginas inteiras de informação resultante de minucioso empenho e especial zelo ortográfico. 
    POESIA
    Você já está ciente de que, por fazer jornalismo impresso, sou um atrasado. O smartphonista disse e quem sou eu para contrariá-lo. Rogo-lhe, contudo, que me dê um pouco mais da sua atenção. O smartphonista, com toda razão, recomenda-me um caminho menos penoso. Aconselha que eu, através do admirável instrumento que ele usa, tenha menor despesa e bem menos trabalho. O smartphone faz a comunicação eficaz mesmo que o vocabulário do seus operadores não seja o mais aprimorado. 
    Desisti. Não contesto o smartphone. Adoro a tecnologia de todas as formas que se apresenta. Só um pequeno detalhe me angustia... As pessoas me dizem não entender por que eu faço poesia. Veja bem... Sou um retrógrado que faz jornal impresso e ainda cometo a insanidade de escrever poesia. Como eu explico? Complicado... Concorda? Mas eu explico...
    Poesia é fruto do que verdadeiramente brota do coração. Quem ama faz poesia. Quem gosta de gente faz poesia. Quem se preocupa com os rumos da sociedade faz poesia. Quem se inquieta com a preservação do planeta faz poesia. É... Eu faço poesia. Não porque isso seja parte de meus planos. A poesia é uma imposição do que sinto diante dos mais distintos quadros. Uma realidade se apresenta - todo dia há algo diferente - e de mim exige: "faz poesia".  
    Eu, apesar da classificação de retrógrado, reafirmo: gosto de fazer poesia. O universo insiste em me fornecer ingredientes inspiradores. Eu sou daqueles que acreditam na teoria de que se lessem ou fizessem poemas todos os seres humanos seriam mais fraternos. (Autor: Francisco de Campos - Todos os direitos reservados/Lei dos Direitos Autorais Nº 9610/98)

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