Bombeador - Um monumento decepcionado

    Eu, por exigência de profissão, tenho que ir à estação rodoviária de Carazinho todas as sextas-feiras. O Correio Regional, impresso em Ijuí, sempre chega à estação, via Reunidas (empresa de transporte coletivo), às 21 horas de sexta-feira. 
    Pois vou lhe falar de algo fantástico... Nesta sexta-feira (8/7/2016) cheguei atrasado à estação rodoviária. Motivo: quando já estava a cinquenta metros da estação fui chamado a um compromisso profissional... Você não vai acreditar... Mas é pura verdade... O Bombeador, ao enxergar o jornalista Francisco de Campos, como todos os mortais e imortais comuns, resolveu conceder uma entrevista. Aliás: requerer uma entrevista... Suplicar por uma entrevista... 
    INÍCIO DO DIÁLOGO
    Honrado, evidentemente, por tamanha distinção, estacionei nas proximidades e fui conversar com o monumento. "Você é o Chico do Jornal?" - perguntou o Bombeador. Respondi positivamente. Ele, então, pediu que lhe oferecesse um tempo para, digamos, um necessário desabafo. "Chico... Tenho motivos de sobra para não alimentar a mínima esperança. Eu, que fui criado para bombear qualquer coisa que não fosse do agrado de Carazinho, vejo-me hoje lançado a um nunca imaginado desprezo. Você, que é um jornalista desprendido, acho que pode transmitir a Carazinho o que está a me afligir neste instante... O que está a me afligir faz muito tempo."
    Eu - Me conta porque lhe deram o nome de Bombeador...
    Bombeador - Pois é... As autoridades de antigamente e o Vasco Prado entenderam que era preciso ter alguém que vigiasse de forma permanente os interesses de Carazinho. Daí, depois de muitas reuniões com trocas de ideias, concluíram que a tarefa de proteger a cidade, idealizada por Pedro Vargas, seria confiada a mim. Você, Chico, pode até não acreditar... Mas eu sempre fui muito bom nessa tarefa de bombear... Nessa tarefa de cuidar da cidade... Nessa tarefa de proteger todos sem exigir companhia ou algum tipo de remuneração. Eu me chamo Bombeador - com o mais elevado orgulho. Com ou sem reconhecimento eu estou aqui bombeando... Vigiando... Gastando todas as minhas energias para que em Carazinho só o bem aconteça. 
    Eu - Você não se cansa? Você não fica doente? Vejo que perdeu uma de suas mãos... 
    Bombeador - O cansaço... A doença... O desânimo... Isso tudo tenta a humanidade de forma geral - inclusive um monumento como eu. Se você olha de longe pareço ser imbatível... Forte... Invulnerável... Só que, se você se aproxima, vê que os sonhos de quem me criou estão sendo ignorados... Esquecidos... O Bombeador perdeu uma mão... Não mais tem as bandeiras que alegremente aqui tremulavam... Eu me sinto até humilhado. O olhar de pena que vejo nas pessoas é por demais deprimente. Quem vem aqui, para uma breve visita, me olha como se eu fosse um indigente... Um esmoleiro... Um sem teto. Não!!! Eu sou o monumento de Vasco Prado... Eu sou o símbolo de Pedro Vargas - fundador da amada cidade de Carazinho.
    Eu - Caro Bombeador... Eu sou jornalista... A minha mente é povoada por todos os tipos de experiência. Porém: nunca me deparei com tanto descaso em relação a uma celebridade como você. Você, caro Bombeador, pode se alentar com o meu reconhecimento. E isso é pouco. Não há, em Carazinho, uma pessoa sequer, nos sessenta e dois mil habitantes, que aprove o sacrifício a que você vem sendo submetido. Eu quero sair daqui sabendo que, se você chora, pelo menos consegui estancar suas lágrimas por alguns minutos. Melhor... Eu lhe prometo, caro Bombeador, se depender de mim ninguém deixará você morrer. Se depender de mim você voltará a ser o protetor da nossa amada cidade. Se depender de mim, Bombeador, você não mais será vítima. Você foi criado para ser herói. E herói você será - hoje, amanhã e todo sempre.
    Bombeador - Chico... Meu caro Chico... Não confio em mais ninguém... Acho, contudo, que posso fazer mais uma bobagem. Você me dá impressão de que é um sujeito honrado tipo eu. Você, pode até duvidar do que estou dizendo, mas me dá a convicção de que também é um bombeador de Carazinho. Um protetor da honradez em Carazinho. Um protetor dos fracos e dos fortes. Não interessa a classe social. Você, como eu, é um bombeador de Carazinho. Se dependesse de nós dois esta terra iria às nuvens. Nosso povo tem muitas virtudes - mas nossas autoridades não pensam no coletivo. Nossas autoridades deixam o Bombeador largado às traças porque só priorizam aquilo que, de mais imediato, podem colher para si e para os seus protegidos.
    Eu - Não quero lhe puxar o saco... Mas você é um monumento muito bonito... Ninguém poderia imaginar que, alguém tão exuberante, pudesse confessar um dia tanta fragilidade. O que aconteceu com você Bombeador? Como você acabou assim tão mutilado, desbotado, desprestigiado, abandonado... Como você, meu caro Bombeador, foi cair em tanta desgraça. Pois é... Desgraça... Palavra forte demais... No entanto: é assim que posso definir esse quadro. Bombeador sem mão, tomado pelo mofo, desprovido do tremular alegre das bandeiras... Bombeador... Meu querido monumento Bombeador... Será que alguém ainda sabe o que você significa? Será que alguém ainda conhece o motivo pelo qual você foi criado? Será que alguém sabe o que você bombeia? Perdoe-me... Estou tagarelando ao invés de entrevistar. Entretanto: o quadro é por demais dramático e, nada melhor, do que um intercâmbio de raciocínio para se chegar a um veredicto. Uma conclusão final.
    Bombeador - Chico... Cristo Redentor (Rio de Janeiro/Brasil), Big Ben (Londres/Inglaterra), Torre Eiffel (Paris/França), Estátua da Liberdade (Nova Iorque/Estados Unidos), Laçador (Porto Alegre/Brasil)... Modéstia a parte eu fui criado para ser um semelhante dessas celebridades. Vasco Prado e o círculo de autoridades da época foram inspiradamente generosos ao me fazerem concreto. Só que, Chico do Jornal, eu lhe pergunto: Você já viu esses coirmãos abandonados como eu? Perdoe-me mas, equivocadamente, estou aqui no papel de entrevistador. O entrevistador é você. Nossa!!! Quase impossível descrever a alegria de poder lançar-me a um desabafo deste tamanho. Chico... Que bom que você passou por aqui nesta noite.
    Eu - Cheguei em Carazinho quando tinha treze anos de idade. Ao entrar na cidade, pelo trevo do Baixinho, me deparei com você. Bombeador. Eu, que vinha de Vacaria, parte da leva do 3º Batalhão Rodoviário, responsável pela pavimentação da BR-285, achei que estava chegando a uma metrópole tipo Rio de Janeiro. Criança, imaginei, "temos aqui um Cristo Redentor". Achei que o chorar na despedida de Vacaria seria compensado pela convivência com uma cidade que valorizava, de maneira profunda, as suas raízes. Valorizava, de forma profunda, a sua história. Valorizava, de forma profunda, a sua cultura. O que houve com esta cidade meu caro Bombeador?
    Bombeador - Chico... De maneira alguma eu quero me comparar a esses monumentos pujantes que enfeitam cidades maravilhosas do nosso planeta. Eu também não fui criado para ficar aqui me queixando. Quem me idealizou desejava um símbolo de proteção a esta terra. Um símbolo de proteção a Carazinho. Um símbolo de proteção aos que nascem em Carazinho. Um símbolo de proteção aos que decidem adotar Carazinho como sua terra natal. Então não estou aqui me queixando. Eu o chamei para esta entrevista. Sim... Eu o chamei... Minha intenção básica é, através da sua dinâmica profissional, deixar o mundo ciente de que, se eu morrer hoje, amanhã ou depois, não será de livre e espontânea vontade. Será porque, fixo nesta plataforma de concreto, não posso correr atrás de recursos para subsistência. E nossas autoridades municipais... Poxa!!! Nossas autoridades municipais!!! Chico!!! O que as presentes autoridades municipais têm contra mim??? Não lembro de ter pecado. Desde que o Vasco Prado me construiu eu estou aqui. Minha única ambição é proteger Carazinho... É bombear quem se aproxima... É dar a paz ideal a quem se aninha no aconchego desta cidade sonhada por Pedro Vargas e tantos outros grandes nomes da nossa história. (Autor: Francisco de Campos - Todos os direitos reservados/Lei dos Direitos Autorais Nº 9610/98)

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